sexta-feira, 27 de abril de 2007

A menina que fazia mímicas

Era criança quando fez suas primeiras mímicas ainda nem falava. Eram gestos que indicavam que estava com fome, dor, ou queria muito alguma coisa. Silvia cresceu e aprendeu a falar e também aperfeiçoou suas mímicas, as vezes não gostava de se expressar por palavras.

Apesar de tudo, Silvia achava divertido ver as pessoas tentando adivinhar o que queria dizer com toda aquela cena. Num domingo, Silvia acordou na adolescência, desesperada com o sangue que saia de seu corpo não conseguia falar, nem gritar para pedir socorro. Correu até o quarto de sua mãe e, aflita, a puxou pelos braços até sua cama para mostrar aquela mancha terrível no lençol. Quando a mãe viu, pôs-se a rir e abraçou a filha para que ela se acalmasse e, explicou que não era nada, que acontecia todos os meses com as mulheres e blábláblá. A partir deste dia, a menina que fazia mímicas, aos poucos, foi deixando de ser uma menina.

No ano seguinte, no primeiro dia de aula, Silvia bateu os olhos no seu novo professor de história e sentiu estranho, um frio na barriga, um arrepio esquisito. Um homem nos seus trinta e poucos e com um olhar que derretia todas suas alunas e, claro, as outras professoras da escola. Enquanto falava sem parar explicando a matéria, ela não ouvia nada, apenas prestava atenção em seus lábios que se mexiam sem parar, em câmera lenta.

- Silvia! Está me ouvindo?

Tomada pelo susto, a garota moveu afirmativamente a cabeça. E seu amado então em um ato de crueldade a perguntou:

- O que foi o Mercantilismo, mesmo?

Obviamente, Silvia não sabia. E, de repente, tornou-se o centro das atenções da sala de aula. Enrubesceu. Não podia falar que não sabia – seria motivo de chacota em toda a escola. Resolveu fazer mímica. Mas o que fazer? Como explicar em mímicas o que foi o Mercantilismo? O que foi o Mercantilismo?

Percebendo seu desespero, o príncipe encantado teve um pingo de piedade de sua alma e explicou novamente o tal do Mercantilismo.

Um dia, enquanto a menina fazia suas mímicas no intervalo da aula, um dos garotos do fundão pegou seu diário e saiu por toda a escola lendo-o em voz alta para que todos – inclusive para o professor – soubessem por quem Silvia estava apaixonada.

Quando a voz desafinada do algoz chegou aos seus ouvidos, tremeu e fugiu de vergonha, de medo, de...

O amado e amável professor a procurou por toda a escola e a encontrou encolhidinha em um canto, chorando, chorando, chorando. Tentou dizer-lhe algumas palavras de consolo, mas a adolescente não o ouvia. Foi então, que ele ouviu um pedaço de vidro caindo no chão e logo em seguida, sangue, muito sangue. Não, a menina das mímicas não estava virando novamente mulher. E desde então, a menina que fazia mímicas nunca mais fez mímicas.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Uma noite

Quando acordou, ela não estava mais lá. Não lembrava direito o que acontecera na noite anterior, mas sabia que fora boa. Levantou-se e procurou por todos os cômodos do apartamento aquele corpo escultural que sabia que havia passado a noite ao seu lado. Achava que seu nome era Jéssica, mas não tinha certeza. Talvez fosse Juliana. De sua procura, só encontrou uma toalha molhada no chão do banheiro.

Também tomou banho e também resolveu sair para comer um pastel na feira e colocar a sua dolorida cabeça no lugar. – Maldito whisky paraguaio.

No momento que pôs os pés na rua, o sol nos seus olhos zombava de sua cara azeda. Os carros com suas poderosas orquestras embaixo dos capôs iam e voltavam como abelhas a sua frente.

Já alimentado, foi dar uma volta pelos arredores do seu prédio com a esperança de encontrá-la mais uma vez para, pelo menos, dizer tchau. Olhou por todos os cantos e sua esperança morrera em menos de cinco minutos.

Voltou para o apartamento e ficou suando na cama até a ressaca também ir embora sem ele perceber. A noite, já cansado de admirar o teto do seu quarto, vestiu-se e foi para o mesmo bar da incrível noite anterior. Olhou em volta, viu alguns rostos familiares, mas não o que tanto desejava. Falou com alguns conhecidos, perguntou sobre a moça, andou pra lá e pra cá observando, tomou dois ou três tragos.

Um hora, quando saiu do banheiro, notou sentada no balcão de costas para ele, uma mulher com compridos cabelos loiros e aquele corpo que tanto procurou. Tomou uma dose com bastante gelo de coragem e foi em sua direção.

No meio longo caminho, foi barrado por um velho amigo, apesar de tudo, ficou feliz em vê-lo, há muito não o via. Durante a conversa, comentou sobre a garota da noite anterior e que achava que estava apaixonado. O amigo disse que estava namorando e que queria lhe apresentar sua nova namorada. Fizeram algumas piadas sem nenhuma graça e deram algumas risadas sem graça. O amigo, ansioso, firmou a mão direita no seu ombro e o dirigiu até o balcão, onde estava a namorada, uma loira monumental que estava de costas para eles. Falou algo perto do ouvido da moça e ela se virou para cumprimentar o amigo do namorado.

Sim. Era ela. A loira. A desaparecida. A que trucidou suas esperanças. A que o olhou como se não o conhecesse. A que o beijou no rosto na frente do amigo. A que o beijou na boca na frente do espelho. A que o amou por uma noite. A que ele amou por uma noite. A que ele pensou que fosse um sonho. A que ele procurou pela manhã. A que ele nem lembrava o nome. Jurema.